Rio Côa- “a ribeira”
I
Ribeira linda
O que foi que te aconteceu
Tinhas tão lindas árvores
Agora tudo desapareceu
II
Foram os homens do mundo
Com as máquinas invernais
Que destruíram tudo
Até os próprios animais
III
Onde estão os teus pontões
Que serviam para passar
Em dias de muita água
Os corações pareciam parar
IV
Foram afogados
Por tanta água entancada
Agora choram os meus olhos
E a minha alma magoada
V
Onde estão as tuas poldras
Que serviam para passar
No verão os meninos
Nelas gostavam de brincar
VI
Onde estão os 7 moinhos
Que serviam para moer
Aquele pão tão gostoso
Que dava gosto comer
VII
Onde estão as tuas rodas
Tocadas pelos animais
Que regavam as batatas
E também o milheirais
VIII
Onde estão os rapazes
Que te vinham namorar
Nos meses de verão
Na tua margem acampar
IX
Onde estão as tuas ondas
Que serviam de embalar
Alguns meninos adormeciam
Outros nos barquinhos a remar
X
Onde andam os pescadores
Que pescavam com um pau
Não comiam peixinhos
Mas comiam bacalhau
XI
Onde estão os amieiros
Onde as aves faziam ninhos
No verão pelo calor
Faziam sombra aos peixinhos
XII
Tinhas também pescadores
De varinha na mão
Pescando os peixinhos
Para comerem com pão
XIII
Onde andam as tuas trutas
Tão apreciadas pelos pescadores
Eram pescadas por todos
Por pobres e por doutores
XIV
Tinhas também peixinhos
Chamados bordais
Que nos todos pescávamos
Á sombra dos teus choupais
XV
Tinhas o ribeiro grande
Que era teu afluente
Dava feno para os animais
E batata para toda a gente
XVI
Agora minha adorada
Não me posso esquecer de ti
Foi na tua água cristalina
Que a nadar aprendi
XVII
Também não me posso esquecer
Da tua sombra adorada
E dos copos bem bebidos
E também da carne assada
XVIII
Recordo-me também
Com bastante emoção
Quando íamos nadar
Na manhã do S.João
IXX
Tinhas o teu manto
Feito pela natureza
Agora ao ver-te nua
É toda a minha tristeza
XX
Eras tão bonita
Mas agora já o não és
Cortaram-te o teu manto
Da cabeça até aos pés
XXI
Gostava de te ver
Quando o sol nascia
A tua água cantava
O meu coração sorria
XXII
Agora minha adorada
Não sais da minha mente
Davas água para todos nadarem
E sombra para toda a gente
XXIII
Diz-me quem te batizou
E onde está a tua ramagem
Deixaste de ser ribeira
Passaste a ser barragem
XXIV
Tu eras a mais bonita
Do nosso lindo Portugal
Não havia no mundo
Outra assim igual
XXV
Acredita no que te digo
Chorei ao ver-te assim
Tenho uma coisa para te dizer
Mas guardo-a só para mim
XXVI
Fui-te visitar
À tua porta bati
Olhei para a tua imagem
E não te reconheci
XXVII
Adeus ribeira
Sofro e vou sofrer
Mas levo-te no coração
No dia em que eu morrer
XXVIII
Agora vou-te deixar
Já chega de sofrimento
Acredita que os meus olhos
Choram neste momento
IXXX
Por hoje termino aqui
Tenho mais para relembrar
É já meia-noite
São horas de me deitar
XXX
Acordei de manhã
A pensar em ti
Como vês, ribeira,
De ti não me esqueci
XXXI
Foste abandonada por todos
Não há nada a fazer
Mas espero que um dia
Voltes a Malcata a correr
XXXII
Que voltes a vestir
O teu manto de rainha
Para te virem visitar
No verão à tardinha
XXXIII
Tantos séculos que passaram
Tu sempre linda e forte
Foi no ano de 2000
Que chegou a tua morte
XXXIV
Deixaram-te nua
Cortaram o teu caminho
Foram os homens do mundo
Que fizeram o teu destino
XXXV
Tu para mim
Eras a mais forte
Uma das ribeiras em Portugal
A correr para o norte
XXXVI
Tu eras um encanto
Quando vinha o por do sol
Embrulhada no teu manto
Em vez de lençol
XXXVII
Quando era de manhã
Havia fumo no ar
Eras tu minha bela
Que vinhas de acordar
XXXVIII
Respiravas tão profundo
Que o fumo subia
Este desaparecia
Quando o sol nascia
José Manuel Lourenço
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